PUERT0 RICO INDEPENDENTE
24-03-1990
Puerto Rico vivía a efervescência do separatismo. Bombas explodiam nas zonas turísticas reservadas preferencialmente aos cidadãos norte-americanos.
Pregava-se o rompimento do estatuto do “estado livre associado”. O desemprego era uma praga constante na ilha e os imigrantes portoriquenhos apinhavam-se em guetos nova-iorquinos e maiamenses como cidadãos de segunda classe.
Em tal clima de confronto aconteceu o I Festival Latino-americano de San Juan. “Tu país está feliz”, minha peça de teatro montada na Venezuela, recebeu a consagração do público e passou para um teatro independente para uma temporada, “a pedido do públilco”. “Yours os a happy country” anunciavam os jornais de língua inglesa.
Só consegui unir-me ao grupo depois. Foi difícil conseguir o visto do consulado americano por causa de minha condição de duplamente estrangeiro [eu morava na Venezuela, onde a peça foi encenada...], quando a burocracia requeria que eu esperasse a liberação do consulado carioca. Foi preciso levar muita documentação (certificado de emprego permanente, passagem de ida e volta, declaração negativa de imposto de renda) e alguma pressão do próprio Ateneo de Caracas, além de influência de autoridades nativas...
Chegando a Puerto Rico, fui direto para o teatro onde o público comprimia-se para ver a peça. Subi ao palco para agradecer os aplausos e fiz um discurso inflamado, invocando a unidade latino-americana do ideário bolivariano.
O público adquiria cópias do long-playing com as músicas e uma edição própria do programa com as letras, e textos escolhidos da peça. De lá seguimos para outras cidades e teatros do interior.
O fesival não era competitivo, mas “Tu país está feliz”, sem dúvida, teve a aprovação unânime do público. E o êxito seguiu em outra apresentações em outro países da região — Chile, Equador, Costa Rica, Colômbia, México, Espanha, etc.
A segunda montagem do grupo Rajatabla sob o comando de Carlos Gimenez, foi “Venezuela Tuya”, de Luis Brito García, autor de um livro de conatos homônimo premiado pela Casa de las Américas”, de Cuba. O espetáculo era vigorosos, ousado, provocador, numa concepção teatral mais bem cuidada e elaborada. Teve o êxito que merecia, sobretudo da crítica especializada que louvava o surgimento de um autor nacional, “mais identificado com sua própria história e idiossincrasia”.
“Tu país está feliz” era visto por alguns xenófobos como uma interpretação da Venezuela vista por estrangeiros (e, de fato, atores, diretores, músico e autor, em sua maioria, eram estrangeiros), mas o espírito era tão nacional quanto universal e o público jamais fez tal segregação. Ao contrário, adotou-o como algo seu, autêntico.
“Tu país está feliz” voltou ao cartaz, várias vezes, em Caracas e no interior, com público e boa cobertura da imprensa.
Ainda tentei a montagem de um novo espetáculo — “Jesucristo astronauta”, cujo título original proposto fora “Família, um auto-sacramental sobre lo profano e lo divino”.
Sem dúvida, um trabalho melhor concebido e melhor elaborado, coma textos mais complexos e mais maduros, merecendo uma montagem mais esmerada e mais rica de recursos cênicos/escenográficos. Uma verdadeira orgia de imagens e surpresas, Um belo espetáculo! Mas bem mais hermético, mais complexo, mais intelectualizante. Os temas da religião e política aparecem entremesclados em cenas em que se evitava o óbvio, mas ele estava subliminarmente presente. O messianismo revolucionário, o sensualismo puritano, o maniqueísmo, o fetichismo, as instituições políticas e religiosas eram amalgamadas e confundidas.
O Cristo era a um tempo o Redentor e o Revolucionário latino-americano, o virtuoso e o pecador, o adorados e o adorador. O público ficou dividido, a crítica perdeu-se em questiúnculas fortuitas, a Igreja progressista louvou a desmistificação e a conservadora repudiou o “sacrilégio”, e o grande público divertiu-se, chocou-se, mas não apreendeu a mensagem velada.
Voltou a ser espectador, a identificar atores e personagens, a adotar um distanciamento crítico.
Foi um ato lúdico válido, mas não necessariamente transcendente. “Não era como “Ti país esta feliz”, era outra coisa, era mais teatro do que realidade, mais alegoria do que fantasia.
O tema religioso & político ainda persiste como um enorme mistério, insondável, perigoso porque libera ou implica valores arraigados, profundos, acima de qualquer racionalidade.
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